domingo, 29 de novembro de 2009

ANJO CAÍDO


Ao justo e ao pecador
Deves largar o abraço sincero
Ver neles a verdade do mundo
Varrer da atitude o desespero

É promessa de errantes aromas
O Sol que visitou a manhã
Um pássaro zombeiro falha o voo
E poisa num sítio de terra chã

Porque será que os pássaros
Cantam na partida do dia
Porque será que um amante ausente
Fica de alma apertada, vazia?

Porque será que as ondas lamentam
Em sussuros de sal no areal
Porque será que as rezas são feitas
Para correr para o longe o perverso mal?

Gaivotas varrendo um manto de orvalho
Golfinhos navegando ondas felizes
Um assobio de chamamento ao entardecer
Uma gargalhada solta na algazarra dos petizes

Corri com as águas de um ribeiro
Cavalguei todos os sonhos que inventei
Naveguei num mar inventado por mim
Soletrei baixinho a palavra amei

Subi ao alto, proclamei-me rei
Dei ordem às árvores e depois pensei
Como pode um poeta triste e louco
Dizer ao amor que amar tentei

Como podem estas palavras entrar
Rasgando a alma ao pensador
Como podem os seres infelizes
Enganar a dor com o verbo amor?

Mas esta viagem tão cheia de tormentas
Não tem rumo em cais de espera
Barco sem vela nem leme
Numa tormenta de difuza quimera

Tudo isto porque a caneta enlouqueceu
A mando de um coração doído
Olhei o horizonte imenso de inquietação
Aquí me quedo...Anjo Caído...

domingo, 22 de novembro de 2009

A PARTIDA DO SOL

Lembrarás tu que as manhãs
Acordam da tua luz fugidia
És esperança de perdida estrela
Quem recolhe a dor em Deus confia

Assombração que o luar esqueceu
Nas margens de um lago azul
Hoje passou a voar por mim
A última garça a caminho do sul

Era alva como a espuma do mar
Graciosa como mulher feliz
Voava de encontro ao vento
Com olhar brilhante de petiz

Hoje as gaivotas invadiram a terra
Hoje uma alma esqueceu-se de florir
Hoje é o começo do amanhã do teu querer
Hoje proclamei-te rainha no partir

À Garça?
Ou terá sido a uma triste desventura
Que me ocupou a alma em silêncio
Num soluço de desperta amargura

Mas a alma do poeta
É baía de todas as emoções
Campo de batalhas terríveis
O bater eterno de mil corações

O sentir infinito percorrendo a emoção
O choro chorado de um justo
A brisa solta do arpejo de asas de anjo
Um gesto de pena feito sem custo

Esta pena penada que percorre o papel
Deixa tatuadas as palavras que nunca saberás
A folha continua imaculadamente branca
Sem tinta a palavra encoberta não abraçará o que dirás

Gostava de ver no hoje
Tudo o que o amanhã tem para me dar
Gostava de perpetuar o sonho sonhando
Até que te pudesse encontrar

Mas o sonho corre ligeiro e confuso
Como barco na procura de um atol
Hoje procurei-te Rainha da Claridade
Errantememte até...À partida do Sol...

sábado, 14 de novembro de 2009

FELIZES E POBRES

Soltos aromas a terra molhada
A geada cobre o ventre da ilha
Dos golfinhos só resta a lembrança
Do alto um milhafre contempla a maravilha

Subi ao sítio mais alto
Contemplei no longe Santa Maria
Desci ao vale a caminho do sul
Fechei os olhos ao que sentia

Sete são os sortilégios
Sete são as dores sentidas
Sete eram os filhos de pé descalço
Sete eram as almas perdidas

Sete!
Eram mais dois de rosto franco
Ele empurrava uma carroça com os mais novos
Ela limpava o suor ao sorriso sem espanto

As dores da pobreza perdem-se nos ais
Uma oração compõe a esperança
Quando os sonhos fogem à ambição
O Universo é mais do que o que a vista alcança

Não há grades para a loucura
Não há rumo para o fim do mundo
Boca que pede pão e amor
Não solta na fúria qualquer queixume

Frias são as noites
Ah mas esta lava que te abriga
Tem tatuada mil risos de criança
Tem cheiro a pão e voz amiga

Crepita o fogo nas pedras e na alma
Cose as tuas redes ó pescador
Alisa a madeira ó carpinteiro
Mulher Mãe sem pão, alma carregando a dor

Na aurora acontece o canto dos pássaros
O bocejo de um catraio
Um Abril prenhe de esperança
Um baptismo lá para Maio

Mais um!
E já lá vão sete, almas singelas
É o que Deus nos quis dar
Quatro paredes onde respiram criaturas belas

O destino ditou a sina em mãos rudes
As linhas não deram rumo para palácio de nobres
Mas a conta sete, surgiu vincada
E uma contradição...felizes e pobres...

sábado, 7 de novembro de 2009

CASINHA DE PAPEL

Que o vento sopre de feição
A chuva caia de masinho
O Sol contrarie este frio Inverno
Iluminando este caminho

Esta rua, se esta rua fosse minha
Ladrilhava-a com folhas de incenso verde
Uma alma percorre a vida sem rumo
Quando do seu destino o norte perde

Mas nesta rua cada passo é um desvario
Mas nesta rua o encontro é fatal
Nesta rua todos os dias acontece
O encontro do bem com o mal

Não sei quem vence!
Não sei quem leva a melhor
Só sei que um sorriso teu
Fez desabrochar das pedra uma flor

Com ela teci um tapete
Engalanei a sombra dos teus passos
Escrevi um derradeiro pedido numa pétala
Rogando a infinita ternura dos teus abraços

Nesta rua as casas são faz de conta
Nesta rua há um verdadeiro papagaio de bonita cor
No falar não diz coisa com coisa
Mas soletra sem engano a palavra amor

Nesta rua há um gato azul
Um cão vadio de sorriso feliz
Nesta rua há uma Mãe em espera
Que decida do seu ventre nascer o petiz

Há carnavais, bruchas e travessuras
Há Natais, guerras de cantigas
Uma estátua de sal azul
Duas gaiatas muito amigas

Os deuses hoje decidiram
Inspirar-me em folha de papel branco
Tracei linhas ao mero acaso
Criei um rosto de sorriso franco

Criei formas, as mais disparatadas
Até que o desalento me soube a fél
Encheu-me a alma de alegria
Quando o lápis criou uma...Casinha de Papel...