sábado, 24 de março de 2012

A LOJA DAS TENTAÇÕES



São de açúcar os sonhos de uma criança
São de algodão as nuvens que vi esta manhã
São de sal os diamantes do colar que te dei
São verdadeiros os sentimentos que pareceram palavra vã

Uma boneca de olhos que abrem de espanto
Um cavalo de madeira perdido do carrossel
Um cálice cheio de berlindes de vidro
Uma mascara de palhaço pintada a pincel

Um pião que ganha vida
Uma corda para saltar bem comprida
A trotineta jaz num canto partida
Um coração recorda uma dor esquecida

E abre-se uma caixinha de madrepérola
A bailarina rodopia imponente mais uma vez
A melodia despertou a ternura
Uma alma desnudou-se para mostrar ser pura

O amor floresceu no sótão
Um colo foi conforto de imensa saudade pura
Uma cópula foi intensa vertigem
Umas unhas cravaram-se num misto de luxúria e candura

Os braços de madeira abraçam com força
Um pai natal caiu de uma prateleira
Vale meio tostão uma estúpida opinião
Vale um milhão, uma lembrada sensação

Não vale nada a puta da vida!
Às vezes tenho um profundo ódio pelas pessoas
Às vezes dou por mim a comparar
Às vezes há pessoas à venda para comprar

Agora sem querer senti raiva
Já voltei à condição de bom rapaz
Passou depressa essa sensação
Voltei a encher a alma de paz

Estava a falar de brinquedos de criança que não tive
Tive estaladas, muita luta na viagem e alguns sermões
Mas tive e tenho todos os sonhos para sonhar
Embora às vezes pare na montra da…Loja das Tentações…

domingo, 18 de março de 2012

DAMA DE OUTONO


O meu pranto escondeu as sílabas de uma palavra
O meu céu não precisa de Sol para ser azul
A minha emoção transbordou nesta clara manhã
Tal como as incontidas águas que correm para sul

Este Inverno que o meu querer instaurou
Tem o rosto coberto por densa bruma
Tem a força de todas as marés esta emoção
Que devolvi hoje à espuma

Soltei os sentidos na procura do sentir
Agarrei as crinas de uma teimosa ventania
Cavalguei uma nuvem que adormeceu no alto de uma cumeeira
Parei para chorar uma árvore que no chão jazia

As flores despertaram mais cedo
De um sono aprisionado em mil noites de solidão
Aromas selvagens inundam a ilha
Evocando uma perdida paixão

Apaixonadamente um pássaro cantou na madrugada
O aplauso das folhas obedece ao querer do vento
Onde dormem as gaivotas ao fim do dia?
Onde dormem os barcos em que há tempos eu partia?

Parto em cada anseio
Numa viagem com o nome de solidão
Não sei se são de mortas folhas este caminho
Só sei que é de frio barro este chão

E rio, soltando uma louca gargalhada
E voo sem medo do cair
E aprisiono uma amargura sem sentido
E sinto que a distância é o fim do partir

E fico ficando sem querer ficar
Fecho os olhos e vejo a cor do desengano
No vestido de perdidas cores
De uma…Dama de Outono…

domingo, 11 de março de 2012

LUZ DA VELA


Hoje criei um passo de Cristo
Solicitei uma Verónica à canção
Senti a emoção de uma multidão
Olhei uma Virgem de destroçado coração

Que conversa poética dirão ou pensarão
Mas foi assim que tudo aconteceu
Pediram-me para fazer um espectáculo
Em que o artista era Jesus e a vida perdeu

Hesitei mil vezes na coreografia
Um Romeiro repetia que a cruz era para arrastar
Os soldados para maltratar
Maria Madalena para amar

Amar…
Amei cada palavra da canção que decidi
Cada movimente de actores puros
Um misto de emoção e alegria senti

Amar…
Esta é uma espécie de sina ouro
Sentir a vida como um pássaro
Que colhe uma semente como tesouro

A banda tocou tristeza acompanhar
As opas eram de cor púrpura
Quanta devoção meu Deus
Na alma de gente que a fé procura

Às vezes perco a fé
Às vezes a demanda é maior que o guerreiro
Às vezes chego depois de ter passado a maldade
Às vezes a dúvida chega primeiro

Mas sou feliz, às vezes como um petiz
Foi assim que hoje me senti ao encenar
O encontro de uma Mãe e um filho
Que transformaram dor em verbo amar

A procissão passou no longe
Abandonei aquela Vila, mas antes orei numa capela
Pedi que o meu sonhar voasse para lá da maldade
Num altarinho bruxuleava a…Luz da Vela…

segunda-feira, 5 de março de 2012

QUATRO ESTAÇÕES


São de sol os limões de Abril
As águas correm na sua eterna viagem
Este azul que pinta a ilha tem cores mil
O tempo engole a vida em alucinada voragem

Uma estação para cada ano
Um ano para cada paixão
Um voo para o horizonte e mais além
Um firme bater de apenas um coração

Nunca dorme o Mar
A luz é companheira da aurora
Sempre soube que a saudade não morre da idade
Às vezes fico na vontade de ir embora

Às vezes sinto uma força divina
Uma fome de trigo e utopia
Às vezes caso os sentimentos com a terra
É no mar que adormeço na maresia

E foram quatro, oito, sete
E foram finais e fins do dia
Foram campos de uvas doces
Foi felicidade de alma que só sofria

Atirei mil raivas ao céu
Rasguei o azul desta tela desbotada
Enfrentei os receios da morte ao passar por mim
Caí, mas ergui-me de corpo e alma amarrotada

Quantas estações tem um coração?
Há gente que vive num longo e infinito inverno
Há gente que diz que não valho grande coisa
Que importa o que dizem deste poeta terno

Serei demiurgo de uma comédia escrita por tontos?
Nada sou, serei nada no vazio de uma estação qualquer
Quanto ódio às vezes sinto brotar de seres vazios
Quanta gente que não sabe ser homem, mulher

As vezes choro só
Faço brotar a cada lágrima sonhos aos milhões
Pinto de todas as cores o caminho que percorro
Porque é a penas uma a paixão em…Quatro Estações…

quinta-feira, 1 de março de 2012

MÃOS QUE TOCAM


Toquei a entrada para um labirinto
Bebi num trago um cálice de absinto
Senti o frio de uma pedra negra
E uma criatura convencida que minto

Vendei meus olhos para sentir melhor
Briguei com a minha vontade furiosa
Há um tempo em que tudo irradia luz
Há quem sem ser sente ser esposa

Há quem ame sem saber a razão
Há um perdão para cada pecado
Há uma absolvição para o justo
Há um coração que nasceu assombrado

E depois vem apressada a vida
Encostando à alma um cínico relógio
São sete os minutos para um homem provar ser deus
São de pedra alguns corações ateus

Uma cortina de luz percorre o instante
Um relâmpago rasga o profundo descrédito
Um mar calmo aprisiona a solidão
Um tanso diz “no amor acredito”

Vejam lá isto que de poesia nada tem
Um poeta a falar de si ou de alguém
A loucura não tem como alvo a razão
Uma boca impura tem o sabor a desdém

Mas espera aí
As minhas palavras decidiram ser elas próprias
A minha alma uma porta que perdeu a chave
E a poesia ser traços sem cor em folhas já mortas

Há sempre alguém no encontro destas palavras
Há sempre um encontro no desfazer do labirinto
Há sempre alguém que se veste de contradição
Há sempre alguém que engole o sim para dizer não

E há o amor
Dito em palavras que da alma escapam
Há um infinito sentir que tão poucas vezes acontece
Há tanta verdade em umas…Mãos que Tocam…