sábado, 29 de outubro de 2011

AS COSTAS DE UM CORAÇÃO


Solenemente uma árvore cede ao vento
O limite de um sonho é a palavra não
Os deuses habitam num castelo de nuvens
A mentira desbota a cor da paixão

As palavras que uma boca proferiu
As chuvas que caem na noite fria
As pedras que não erguem uma casa
A maldade impressa em alma que se esconde no dia

Uma figueira
Árvore que não dá flor
Chão estéril com pegadas nuas
Ò deusa do desamor

Ò veneno bebido de um trago
Absinto de gosto amargo
Braços que pedem a ternura pura
Barco que navega na ilha ao largo

E um passarinho canta alegremente
Uma donzela olha um amante docemente
Um corpo estremece de luxúria
Um anjo não é homem nem mulher certamente

Uma lagoa não é oceano
O céu nunca será limite meu
Já fui crente de muita palavra
Agora oiço-as com coração de ateu

Agora fiquei preso na palavra
Agora lembrei uma esquecida formosura
A distância percorrida por um anseio
Às vezes tem mil passos de amargura

Às vezes dou por mim a pensar
Porque há gente que vive o amor em contradição
Tudo isso me ocorreu agora num instante
Nunca saberei pintar…As Costas de Um Coração…

domingo, 23 de outubro de 2011

MANHÃS DE INQUIETO MAREAR


Senti nos pés o pulsar da ilha
Um farol avisa o longe do perto
A lava encoberta na costa dormente
Sete rumos e apenas um certo

Neste Mar senti a vontade de prantear
A nudez da noite no encontro do silêncio total
Encobriu meu pranto das estrelas
Uma zombeteira Lua marcou no dia o encontro final

Finalmente vi a vil desventura
O rosto cínico com máscara de formosura
As pessoas soltam tanta palavra vazia
Triste é a viagem de alguns de corpo e alma em secura

Atirei todos os pensamentos às ondas
Devolvi um búzio recolhido à maré vazia
Encontrei uma garrafa sem mensagem
Mas que tinha dentro um sorriso de alegria

Soltei às mãos uma corda cheia de nós
Desamarrei dois sonhos de incerteza
Apanhei das pedras uma flor impossível
Tinha um vestido branco de rara beleza

Uma noiva do Inverno
No vale dos Milhafres reina a ventania
Uma chuva agreste lava a terra fecunda
Uma criptoméria ostenta um ar de fidalguia

Sonhei que era carregado nas asas de borboleta
Por entre gotas de fino orvalho azul cristal
Todas as manhãs vêm coroadas com a esperança
Há mãos que deixam escorrer a dor total

Há almas que se esvaziam em ligeireza
Há uma boca que pede pão, um corpo o aconchegar
Passou-me todo este filme pelos meus fechados olhos
Numa…Manhã de Inquieto Marear…

domingo, 16 de outubro de 2011

A LÂMINA E O CÁLICE


O tempo corre em sua em sua invisível viagem
Um Santo nunca dorme no altar
Um barco sobe e desce cada onda do Mar
Um cais de partida também acolhe o chegar

São tantos os mistérios que encontrei na vida
Cruzei com gente desconhecida que conhecia bem
Falei e falo com gente que partiu desta vida
Sinto tanto aroma perdido que este tempo guarda e tem

Cruzei mares com baleias, tempestades e sereias
Furacões, monstros e adamastores
Fiz peças de imensa mágoa e nostalgia
Fiz o amor ser feliz num tear de desamores

Pintei e pinto coisas que me tocam fundo
O pincel nem sempre obedece ao meu querer
Quantas cores terei que juntar à ternura
Para ao fundo da tua alma poder descer?

Almas…
Um corpo que se liberta em cada noite escura
Mãos que tocam e transformam a pedra em ouro
Alquimista sem manto, aspergir o destino com água pura

Não procuro o Graal…
Sei que “Ele” está algures numa gruta desta ilha
Já lá estive e “O” contemplei
Às vezes volto lá para alimentar a alma com a maravilha

Pois é, tão simples são às vezes certos caminhos
A fé dos homens é feita de verdade e mentira
A terra protesta e sussurra-me um rumor
Não rezo, mas, já segurei nas mãos a imagem de Nossa Senhora…

…Dos Anjos
O que senti só se encontra na palavra que do alto desce
Uma cruz derramou em minhas mãos dois pedaços de pedra
Olhei para o céu e vi…A Lâmina e o Cálice…

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A SACERDOTISA


Uma alma é campo de batalha
Onde o ódio é vilão e a paixão protagonista
Palco de gigantescas refregas
Onde vive e morre o amor a cada conquista

E uma mulher disse:
O coração parte, no número das emoções
Uma mulher não tem estações para amar
Tem apenas no lado esquerdo mil contradições

As mulheres…
Não gosto de pessoas, do escuro, da maré cheia
Da taça que me oferece às vezes a vida
Da caminhada no barro agreste em tarde feia

Não gosto do feitiço sem sentido
Na busca procuro uma coisa para além da revelação
O amor não conhece a sua verdadeira profundeza
Senão no momento da separação

O vento açoitou os ramos num mar de súplicas
Enquanto o tempo esquadrinha os horizontes
Uma solidão infinita sela o desencanto
Param no seu curso as águas de sete fontes

Sete Cidades inventadas
Sete sortilégios para afugentar o agoiro
Sete palavras de magia branca
Um cálice de sangue que desfaz o ouro

Quero fundir-me e ser um regato corrente
Conhecer a dor da excessiva ternura
Acordar de manhã com o coração solto do corpo
Beber da fonte onde o sentimento é coisa pura

Quero, querer querendo
Ser carpinteiro que a madeira afaga e alisa
Sacrifício em cerimónia num altar de basalto negro
Pelas mãos de uma…Sacerdotisa…

domingo, 9 de outubro de 2011

ENTRE A PALAVRA E O CHÃO


Estou à espera das estações
Em algum sítio adormeceram os barcos no mar
Nesta vida escolhi apenas o que amava
De uma onda a outra onda vejo, o aqui chegar

Azul mar, frio, ramo quebrado
O beijo que subiu da terra
Tocou-me a alma inebriou-me
Poisei minha espada nesta santa guerra

De todas as verdades escolhi a mais dura
A paz das minhas palavras perdeu-se na tarde escura
A felicidade é uma torre sem cor
A saudade é como a água mais pura

Ouvi uma voz carregada de violetas
Vejo o Sol transportar cachos de luz
Vejo as notas de uma melodia incompleta
Um canto novo que minha alma seduz

Serei um cantador rasgando a madrugada?
Um Arlequim perdido de Columbina
Serei folha caída numa estação adormecida
Ou apenas um buscador de irónica sina?

Não há jaula que prenda a palavra do poeta
Não há prisão para o voar de uma alma em contradição
Não há grilhetas que me segurem este corpo
Não há lonjura que quebre o percurso da paixão

Às vezes pergunto-me o que pensarão
As pessoas que lêem estas minhas metafóricas loucuras
O que dirão desta inquieta e caminhante alma
Que percorre um mapa cheio de procuras

Às vezes…
Sinto que nada sabem de mim em cada opinião
Sinto uma longa e imensa solidão nesta viagem
Perdido…Entre a Palavra e o Chão…

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

TEUS OLHOS


Fechei a porta às emoções
Arranquei as vestes e atirei ao frio
Sequei o pranto que me engoliu o olhar
Inventei mil águas e atirei a um rio

Inventei uma casa amarela e bela
Um jardim para o poiso das gaivotas do mar
O telhado era feito de pedaços de azul celeste
Uma cancela tinha tatuada a palavra amar

Habitei nela todos os dias da cor do sorriso
Acendi um fogo eterno com pedaços de carinho
Bebi de uma taça dois tragos de absinto
E julguei ver no meio do mar um singelo ninho

Um mar distante de mil azuis
Quando me assaltam dúvidas e medo procuro uma lagoa
Soltarei um chamamento no Mundo
Até que a voz me doa

Até que a madrugada se desprenda da noite
Caminharei na terra dura e fria que me surja no adiante
Contarei todas as pedras que encontrar
Serei um poeta despojado da razão, um louco viajante

Sem Norte, sem bússola, sem contradição
Sem ouvir o som das palavras, a vil opinião
Sem temer o destino das sete viagens
Sem remorsos, sem mágoas ou compaixão

Cavalgo uma tempestade imensa
Solto toda a esperança aos brandais
Este vento sempre presente
Esta força, este peito que não suspira mais

Esta alma que se solta em cada noite no astral
E toca mundos, almas, mestres, deuses, flores aos molhos
Apenas procura a pacificação da ternura
Num sorriso dos…Teus Olhos…