sábado, 23 de janeiro de 2010

O HOMEM QUE EMBIRRA COM AS NÚVENS


Este espesso tapete que cobre a ilha
Arrocha-me a alma, em sobressalto
É pronúncio de mil calamidades
Um negro manto plantado a alto

Sopro no vazio da incerteza
Esta calmaria orvalhada parada no tempo
Esta ansiedade sem ordem para ser ansiada
Este medo inquietante neste momento

Lancei meu grito no vale dos milhafres
Toquei meu tambor de toque que some
Vesti as vestes berrantes de espantalho
Para limpar do céu este negrume

Como pode haver amor no ar?
Como podem as flores vestirem-se de cores?
Como podem ser felizes os pássaros?
Como pode a vida ganhar novos sabores…?

Se este céu nublado continuar assim
Se esta dorida dor continuar cravada em mim
Se este andar de rumo incerto cravado em meu caminhar
Um dia encontrará um princípio sem o fim?

Com estas malditas nuvens, duvido!
Hoje percorri a ilha toda na procura de uma réstia de luz
Onde pára o verde, aquele verde esperança
Onde param as hortênsias que me fazem feliz?

A fruta não medra sem sol
Meu pé de laranja lima esqueceu-se de florir
Um melro negro poisou no basalto negro
Zombou de mim e voou no partir

Invejei-lhe as asas
As penas que colhi na vida não têm cor
Será que o seu cantar na madrugada
É singelo chamamento para o amor

Mas como posso eu amar alguma coisa?
Moinhos de vento que sopram a norte
Velas de barco na dança de salgadas ondas
Redes lançadas na procura da sorte

Cavalos-marinhos, tempestades medonhas
Quantos dores perdidas na tua alma tens?
Todas geradas debaixo deste negro manto
Mesmo sobre a cabeça…Deste homem que embirra com as núvens…

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

QUE MUNDO MEU DEUS


A noite caíu no Mundo
O Sol encolheu seus raios e foi embora
A terra protestou novamente
Uma alma soluça e chora

A noite foi agitada de estranho jeito
Uma dor surgiu do nada, arroxou-me o peito
Caí no escuro das profundezas do sono
Vi surgirem luzes de um brilho incompleto

Vi surgir multidões de gente atordoada
Vi em seus rostos um sofrimento atroz
Vi tantos, tantos que não contei o contar
Vi a vida na partida do chegar

Vi solta a miséria de sorriso miserável
A pobreza esvair-se sem ter um corpo para consumir
Ouvi o som imenso de mil lamentos
Fiquei quedo, aprisionei o grito ao sentir

O troar do trovão, esta incessante chuva
As estrelas choram todas as mágoas na terra
Onde param os Anjos, porque não nos acodem os Santos
O mal e o bem porfiam esta eterna guerra

As casas do sul ruiram todas
Tal como a esperança desesperada
Toquei no rosto de uma criança triste
Senti uma paz surgir do nada

Para onde vai tanta alma de uma só vez?
Para o mesmo céu que se desfez em pranto?
Será que o Deus acolhe todos em seus braços?
Ou será que ser pobre não vale tanto?

Será que ser é ser-se apenas o que é?
De quantos actos se compõe uma vida em sorte?
Será que esta peça foi escolhida por mim?
Será que para este actor no fim vence a morte?

Vence sempre!
Nem sempre o aplauso acontece
O cantador de acasos canta para si
O coração assim palpita, não esmorece

Que noite confusa vivi
Entre o sonho e uma realidade que só eu sei e os meus
Chorei na verdade, na partida de crentes e ateus
Abri os olhos...Que Mundo Meu Deus...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CAIXA DE SONHOS


Entristeceu o céu na húmida noite
As estrelas esconderam seu brilho tanto
A terra ensopada de teimosa chuva
Alberga um ser que retém um profundo pranto

Mil foguetes rasgam o negrume
Um anjo sorri à loucura do Mundo
Um pássaro dormita no esteio
Um golfinho decide mergulhar no profundo

Este mar que me atrái
Esta chama incandescente do pensamento
Este sentimento agitado pela lembrança
Este homem que pára o querer por um momento

O primeiro dia, a primeira vez
O primeiro passo, o primeiro grito
Uma dor dormente, um esperar aflito
Uma lágrima primeira solta do peito

Solta-se o grito!
Com ele o sonho primeiro carregando a verdade
Direito a um céu pintado do azul mais azul
Ganhei asas no voo, pintei a viagem da liberdade

De olhos fechados ouvi as vozes de ninguém
Os pássaros poisam à minha roda
Não rezo mas falo às flores no fim do dia
Dispo-me das ilusões, de um monte de nada

E tive um sonho!
Mil, um milhão, alguns cheios de firmeza
Tenho-os todos guardados num lugar secreto
Onde não mora a incerteza

Com eles planto canteiros
Faço de espantalho para afugentar descrença
Rego com gotas de emoção cada planta
Só deixo que tape o sol a tua presença

Tenho duas pedras de um cruzeiro
Que fazem de abrigo ao temporal do fim do dia
Não vão os sonhos se espalhar
Não vão eles ocupar uma alma vazia

Dei-te um, lembras-te!?
Que escolhi com ajuda de dois anjos risonhos
Eles não devem nunca ser aprisionados
Apenas guardados numa...Caixa de Sonhos...