
Apetece-me escrever uma carta ao Mar
De repente senti que Deus se distraia
De repente a terra parou de rodar
De repente o Mundo parou no meio-dia
Nesta ilha caminhei num chão movediço
Fui embalado pelo grito constante de um sismo
Nesta terra viajada descansei o sonhar
Fiz tréguas à ternura, aprisionei o amar
Habituei-me às orações
Aos santos aprisionados ao altar
As velas que ardem ao fim do dia
São milagre e pecado, o encontro do me encontrar
Um dia alguém disse ser eu um milagre
Um dia descobri que via para lá dos olhos
Um dia toquei um fruto podre caído
Nasceram de imediato mil flores aos molhos
Fiz nascer lembranças envoltas em bonanças
Cortei os espinhos a uma roseira infeliz
Reguei com sal um canteiro de tontas mágoas
Gritei alto um chamamento que a alma quis
Limpei as rezas atiradas ao chão de uma Igreja
Vi uma bordadeira fazer nascer uma pomba branca
Vi uma alma perder-se na noite escura
Li um poema já lido de Florbela Espanca
Li na água os caminhos para um lago enfeitiçado
Merendei miolos de pão amassado em agonia
Segui ao alto o salto de uma criptoméria
Larguei a espada e o pincel ao fim do dia
Continuei pintando memórias de cor
Rasguei tudo o tinha emoção e dor
Adormeci já tarde no tempo
Sonhei que tinha sido abolido o amor
Voei neste sonhar num mar de pranto
Em espanto tracei uma batalha, um plano
Montei um cavalo feito de vento
Acordei entre duas notas de um…Piano…